Tortéi da nona



Um aviso: similares  são encontrados na maioria dos restaurantes de comida típica da região.  Restaurantes da colônia e até do shopping. Encontra-se com facilidade nas gôndolas frias dos supermercados locais. A maioria produzido, não por indústrias, mas por senhoras que só desejam reforçar a renda familiar.  Mas, segundo minha sogra, não são bons, não usam ingredientes de primeira...

Afinal, aquele especial, com segredos passados de geração a geração só mesmo na intimidade das cozinhas caseiras.  O da minha sogra é, de longe, o melhor que já comi na região.  Asseguro com toda minha honestidade.


Dna. Nelly é uma cozinheira exigente. Nas suas receitas não entram produtos  "mais ou menos"... e se for um prato tradicional como seus capelettis ou tortéis, ela é impiedosa e inflexível.  Por exemplo: a abóbora para seu tortéi, precisa estar perfeita.  Descobre-se assim: é só cortar um pedaço e mergulhar em um copo com água, se afundar, a abóbora está apta, se boiar, a abóbora é dispensada sem mais delongas. Isso porque precisa resultar depois de cozida no vapor, bem sequinha, sem umidade extra que faça desandar o recheio.  A abóbora depois de cozida precisa ser amassada. Com um garfo. Pacientemente, como manda a tradição. E mais, a abóbora precisa estar fria, porque se for amassada quente não vai ficar no ponto certo depois dos outros ingredientes agregados. Ninguém quer um recheio encharcado e molenga... Não é?  E o tempero? Aí vem outra história. Já comentei alguma vez que só perdi o medo de noz moscada no convívio com ela. Nunca me aventurei a arriscar mais do que leves pitadas de noz moscada. Mas a Dna.  Nelly é completamente destemida,  e usa porções muito, muito generosas. E o resultado é fantástico!  A noz moscada infiltra-se e torna o sabor da abóbora pungente, quente. Bem.. E até hoje ninguém teve alucinações! Sabia que a noz moscada em alta quantidade pode provocar delírios? Pois é. E ainda tem a canela... O parmesão finamente ralado.... O açúcar que acentua o sabor da abóbora e equilibra a noz moscada. E cuidado! A cozinheira avisa, se errar a quantidade de noz moscada vai amargar o recheio do tortéi. Eis a angústia. Como saber o ponto exato de parar com a generosidade? 

Os anos talvez.  A prática alcançada depois de inúmeras repetições. Os conselhos ouvidos ao longo de uma vida.

Aqui em casa também fazemos tortéi. Com a receita da nona. E não ficam iguais. Ficam bons, muito bons, mas iguais. não.  

A massa para ser autêntico precisa ser feita à mão. E não deve ser fina demais. O recheio bem farto, porisso cada tortéi não pode ser muito pequeno. E o molho... O de sempre. Nada de inovações. Como as aqui de casa com manteiga, sálvia e amêndoas... Nada disso! Molho de tomate passado na peneira, fluido, suave. Apenas. 

E discorde se for capaz! Para acompanhar no máximo salada e bife à milanesa! Pedimos uma maionese. Ela se recusou. " Não combina!"  Porque tortéi é para ser comido sozinho, saboreando cada garfada. Você nunca fará um igual, mas faça como eu, aproveite a receita e as dicas para fazer o seu que um dia talvez seja cantado em prosa e verso, lembrado com saudade. 

Dna. Nelly, 85 anos, anda cansada, então fez apenas o molho, eu amassei o recheio com as mãos,  porque o purê de abóbora fica super pesado, minha cunhada ia colocando os temperos, e a nona provava e dizia "mais noz moscada,  mais açúcar, um pouquinho só de farinha de rosca. Muito pouco queijo, põe mais! "

A massa minha cunhada amassou, amassou, depois enrolou em plástico , deixou descansar e amassou de novo até ficar bem "lisinha"! Depois abriu, cortou, recheou, fechou! Muito trabalho! Mas... vale a pena! 

E a nona concentradíssima no seu molho. 




Tortéi da nona Nelly


Ingredientes 
Massa

1 kg de sêmola ou farinha para massa fresca

8 grandes ou 9 pequenos ovos caipiras

Recheio 
1 abóbora cabotcha média
2 colheres de canela em pó 
4 bolinhas pequenas ou 3 grandes de Noz moscada ralada na hora
3 colheres de Açúcar
1 xícara de parmesão ralado na hora 
Sal  à gosto (muito pouco)
2 a 3 colheres de farinha de rosca


Molho
6 a 8 tomates grandes, maduros e firmes
1 pimentão verde
1/2 peito de frango 
1 Alho poró 
2 talos de  salsão com folhas
1 maço de sálvia 
1 cebola


Pode picar tudo grosseiramente, menos a sálvia. Pode manter os tomates com pele e sem sementes.

Comece refogando a carne num pouquinho de manteiga até dourar levemente, acrescente a cebola, o alho poró, continue refogando até que amoleçam. Junte o salsão e o pimentão. Refogue, acrescente os tomates e um bom maço de sálvia.  Deixe tudo cozinhar até que os tomates se desfaçam. Passe por uma peneira espremendo bem para retirar o máximo de molho. Devolva o molho à panela limpa e deixe apurar. Ao final coloque mais uma colher de manteiga.


Preparando o recheio



Lave bem a abóbora, de preferência com uma escovinha. Corte em fatias grandes e leve para cozinhar no vapor até estar bem macia.
Deixe esfriar para só então amassar cuidadosamente. Não use nenhum tipo de processador para não alterar a textura da abóbora. E não esqueça: só se amassa a abóbora fria, para que se mantenha bem sequinha.

Acrescente a canela, a noz moscada, sal e açúcar e vá provando  até sentir o sabor bem equilibrado, com a canela e a noz moscada bem presente. Junte o parmesão ralado bem fino e a farinha de rosca.  Serão necessárias duas ou três colheres de sopa. Teste formando pequenas bolas com o recheio que mantenham bem a forma. É aconselhável preparar o recheio um dia antes e manter em geladeira até o momento do uso.



Massa

Coloque a farinha ou a sêmola numa tijela grande. Faça uma depressão no centro da farinha. Vá quebrando os ovos um a um num pequeno recipiente para ter certeza de que estão bons, e vá colocando noutro recipiente. Bata levemente com um garfo, apenas para desmanchar os ovos. Despeje no meio da farinha e com um garfo vá juntando ovos e farinha aos poucos. Depois comece a amassar com as mãos até obter uma massa bem homogênea.  É uma massa pesada, mas é importante que fique bem firme. Envolva em plástico e deixe descansar cerca de meia hora. Depois disso amasse novamente e você verá que a massa fica bem lisa.  Mantenha a massa coberta por plástico durante todo o tempo de trabalho.

Vá cortando "fatias" de massa e estendendo- as na mesma espessura de uma lâmina de lasanha, por exemplo. Corte quadrados de 6 a 7 cm. 

Dica: É possível abrir a massa com rolo ou com um cilindro elétrico ou manual. Minha sogra abre com um cilindro manual.


Coloque no centro de cada quadrado uma bolinha de recheio, o suficiente para que fique bem recheado e que se possa fechar o quadrado. Com os dedos pressione a massa ao redor do recheio para  eliminar o ar. Com um carretilha que ao mesmo tempo corta e fecha acerte as beiradas de cada tortéi. 

Vá juntando todas as sobras de massa para reaproveita-las.  

Coloque os tortéis sobre um pano de prato, mas pode deixá-los descobertos para que a massa seque levemente. 


Para cozinhar aqueça água numa panela bem grande, tempere com sal e vá cozinhando os tortéis aos poucos, coloque numa peneira apoiada numa tijela e deixe escorrer.


Agora é só finalizar.

Monte a travessa de tortéi colocando um fundo raso de molho, uma camada de tortéi, uma camada fina de parmesão, uma camada de molho, outra de parmesão e recomece com mais uma camada de tortéi. Termine com molho e parmesão. Se necessário pode manter em forno suavemente aquecido até a hora de servir. Não mais que meia hora.